Páginas

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Descalços


Deu um giro até alcançar o que lhe afetava os pés descalços. Esse chão foi feito para pisar assim, sim senhor. Os chinelos não deixam sentir direito a umidade do limo. E tudo que é úmido, vive e respira coisas que a gente nem vê, sente. Chinelos só prendem os pés, e nada disso era o que queria.
Caminhar por onde as pessoas fogem era seu sustentáculo. Derrapar era até comum, desde que consiga revelar, principalmente pelo tato, o que os outros não sabiam ensinar. Até porque, estas coisas ninguém ensina. É fruto do nada, e os seus, adquiriu aos pés descalços. Sem truques ou planos.
Lambuzou-se somente dos líquidos mais pegajosos, que era o que te prendia em coragem para ver o amanhecer do dia. Para ver que da janela, as pessoas corriam com seus guarda-chuvas, estivesse chovendo ou não. Atrasadas estavam sempre, mas isto é só o relógio quem diz. A acreditar, nem seus pés que diziam tanto, lhe ensinaram. Acabou sendo só uma palavra.

Se não descabelasse tanto o dia, talvez conseguisse algo. Talvez estas linhas que prendem os destinos, não deem certo se arrumadas, viram nó ao menor vento. Decompõem-se e misturam-se a outras na menor das chuvas. Talvez por isso, as pessoas andassem tão precavidas, e cheias de sacos transbordando onde não tinha mais nem espaço para o pão, mesmo correndo tanto para ganha-lo. Transpirando tanto... E o que escorre pelos poros somos. Já dizia, que é do líquido que provém a vida. Sem querer, parte das pessoas deixa evaporar pedaços de si por aí todos os dias. Sem querer viram chuva as vezes, e se inundam de si também.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Quero, logo existo.



Escapismos não imprimem em mim nenhuma mágoa. E mais, acho essa palavra tão linda... Só quero pegar o que em mim foge. Pertenço a eras que não me pertencem, mas nisso me dou.
Faltante me faço e me refaço, transitando por uma verdade ou outra. Por tantos rios calmos. Tantos mares intranquilos. Acho até que poderia mudar o pensar e jogar em seu lugar o querer, e jogar aos quatro cantos: “Quero, logo existo”.
Quero, e quero agora. Por mais que me faltem palavras para traduzir o que é querer. E elas sempre me faltam! Procuro-as por mania, e elas escondem-se, só de pirraça, birra. Quero todo o efêmero, só porque vai se esvair logo e é difícil de capturar.
As seivas de todas as árvores. Os poléns que saem grudados nas pernas das abelhas. Escrever a carvão nas paredes. Fazer pinturas rupestres, ilustrando o quão primitivo é este querer, que me tolhe. Me acolhe. Me amarra em sua cruz. Ilustrando o quão primitiva sou em mim.
Desdigo-me e me refaço a cada vontade, a cada novo plano. Ânsias, que me roem o estômago escancarando o vazio. Essa secura na garganta que me faz desejar um afogamento por aí, só pra ver se isso para.

Mas nunca para, não quero que pare. E não querer já é vontade. Quero, logo existo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Busca


Nos abraços do mundo é que reencontrava seus instintos cobertos das mais densas seivas, nos esconderijos sem nome. Agora o vento sopra diferente e as correntes já não fazem tanto barulho, meu amor. Elas quebraram enquanto corria em busca de maçãs maduras. Eu as achei.
Em dias assim, sempre se corre em busca das maçãs, dos eus, dos outros, de nós. E quando a Terra vai se bronzeando ao sol, eu quero apenas a expectativa de empreender todos os meus dentes à procura da essência líquida da fruta, da vida. De fazer barulho enquanto meus dentes descobrem as profundezas que depois irão escorrer pela boca. Sentir descer pela língua as sensações que crio enquanto ando desconstruindo algumas espécies de fantasmas que falam línguas estranhas, mas que as vezes eu compreendo bem.

Se estes vultos saíssem de minha mente, ah! Mas eles são eu, e eu sou eles. E nós provamos das mesmas maçãs, mordidas com a fome de quem come a maçã proibida do Éden. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Do que não sei nomear



Parece que tudo que importa, vêm na forma deste crepúsculo que me atinge certeiro. E vem  como uma flecha. Nestas ocasiões, algo aqui se manifesta na mente e penso o quanto sou nada perto de certas coisas. Mas o quanto sou tudo também. Formada da mesma energia da qual saiu isso. Sou parte disso tudo, e isso me conforta e ilumina da maneira mais linda que possa haver.
E o que vem junto com isso, é o sentimento de algo bom se instalando.  Enquanto o alaranjado vai enegrecendo... Mas o que é algo bom? Esta solidão é. Me permite contemplar certas coisas que adentram minha alma. Esta que de tão povoada das coisas, às vezes precisa de um canto de silêncio, um quê de calma. Um pôr do sol também. Dessas coisas que se põem na gente quando escurece. Nestes pensamentos todos que compõem a noite.
Por um instante parece que tudo aqui se aquieta. A mansidão aparece e me sinto um passarinho de asas quebradas vez ou outra. E sou. Sou por ser do mundo. E é nestas horas que o universo me toma nas mãos e me embala. Como se fossemos o mesmo. Mas quando dou por isso é que sou.
Isso me remete ao real. Na psicanálise, o real é explicado pelo que é tão intangível a nós que não é sabido explicar, que escapa do simbólico, o que não é possível descrever com palavras. Isso é da ordem do real, por mais que me esforce, algo me escapa, as palavras se esvaem. Por mais que o que eu sinta tente transbordar por estas linhas. O que não se explica, sente. Ou transforma em arte. E toda arte não seria senão formas diversificadas de se fazer poesia?


segunda-feira, 19 de maio de 2014

Bagagem




Deixa de devanear asneiras, menina! O dia já desponta cheio de si por aí, espalhando raios sem chuva e que não fazem barulho. Raios que queimam nossa cabeça quando a gente anda sonhando por aí. Quando a gente dança por aí, salta e caminha em direção aos montes de coisas feitas de areia nas quais a gente se lambuza com alegria de infância.
Quando for partir, não se esqueça de levar dentro do vestido um corpo moço cheio de ilusões tardias, daquelas que fazem algo saltar mais do que devia dentro do peito. Daquelas que fazem suar as mãos, e que faça o corpo todo se inundar das cachoeiras de certos atos. Nesse calor que desce, escorrendo pelas nuvens com sua luz líquida amarela.

Deixe de escutar quem te diz para parar de devanear, menina! Quando a gente se permite o mundo é lindo. É quando se vê pessoas rindo sozinhas no meio da rua, vai e se ri também imaginando as lembranças ou invenções boas que andam de mãos dadas com as pessoas. É perceber que riso nunca é loucura, e se for, é um remédio lindo.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Hábitos

Foto: Adriano Pansera



Inventar-se-ia em seus desencantos. Brincaria com os que estavam presos em cantos, tiraria as bordas daqueles encantos esquecidos na memória, mofando com a espera infantil que tem os desesperados, ao sentirem na pele uns segundos passando a vez para outros. Tempo ficando para trás, o que até que não poderia ser tão mal assim.
Sentiu várias vezes que o que lhe devorava a carne com certo poder de posse, tal como águias famintas, eram os hábitos. Enquanto que novo era o medo de sentir. Assim achava às vezes, por mais que o novo fosse tão velho que suas barbas brancas quase varriam o chão. Mas deixa essa sujeira, deixa esses rastros. Deixa tudo aí que a vida vem em furacão e leva.
Havia o medo, mas havia o conhecimento de que havia algo que pudesse acender o espírito sem que desse totalmente por si. Sem precisar roubar as luzes dos postes daquela cidade suja e barulhenta. Queria a luz dos acasos, a luz de chuva com sol. Aquela chuva que pode vir mansa ou arrebatadora, ou pode só pingar. Provocando inundação, ou por maldade sair e alimentar a secura. Às vezes nem um, nem outro. Sabe-se que pode ser nada, ou que arrebente logo o mundo com seu tudo!

Por vezes, acusava dar um passo em falso. Mas até esse hábito cansava de tal modo, que era um esquecer-se de si, jogar-se numa cama de pregos só para sentir que existe enquanto ser que respira. Só para não esquecer que pode por vezes sangrar. Ia então, caminhando pelo asfalto numa corrida sem pressa. Como se pudesse assim asfaltar sua solidão terrena, que é tão de todo mundo! Mas poucas vezes uma pega na outra e se abraçam totalmente, na tentativa de preencher o perigo às vezes nocivo do toque. Nos afastamos com algo que aprendemos para escondermos nós dos outros, um olá.